O relojoeiro do tempo
Bernardo Santos
I
Shakespeare,
quando viu no relógio o tempo passar
e o dia findar-se em noite-breu,
viu também a beleza de alguém
que por entre as perdas do tempo se perdeu.
Vinicius,
quando viu no relógio o tempo passar
e o dia findar-se em noite-breu,
viu que a beleza era fundamental;
não se contentando, bebeu...
Eu,
quando vi no relógio o tempo passar
e o dia findar-se em noite-breu,
vi o relojoeiro do tempo
transformar à meia-noite o relógio em poesia!
II
Shakespeare,
quando viu no relógio o tempo passar
e a noite horrenda escoar-se em dia,
viu que dos astros não retirava entendimento,
embora soubesse de astronomia.
Quintana,
quando viu no relógio o tempo passar
e a noite horrenda escoar-se em dia,
viu o monótono tiquetaquear do tempo
sumir misteriosamente no ralo da pia...
Eu,
Quando vi no relógio o tempo passar
e a noite horrenda escoar-se em dia,
vi o relojoeiro do tempo
transformar ao meio-dia o relógio em poesia!